De resto, Arte tem
sido desprezada no currículo, mas raramente de maneira TÃO agressiva e
explicita como está sendo feito pela nova Base Nacional de Currículo Comum que
vai substituir os PCN. Na comissão que determinou o texto da BNCC, que estamos
discutindo, deveria ter sido incluído um representante da diretoria da
Associação de Arte Educadores do Brasil.
A estratégia de
considerar as Artes SUB-componentes é SUB-repticiamente intencional com o
objetivo de, sem ferir a Lei de Diretrizes e Bases, retirar Arte do currículo,
ou melhor, não contratar professores de Artes, que ficarão atreladas às outras
disciplinas. O professor de Português ilustrará suas aulas com obras de Arte
etc. Por exemplo, ao discutir o tema "ponto de vista" em Literatura,
usará a tela "As meninas", de Velásquez. Teremos aí uma excelente
aula interdisciplinar, mas não é apenas Arte como tema transversal que nossos
estudantes do Ensino Fundamental e Médio precisam. Temos que agir
imediatamente, sem medo do MEC.
O problema que vejo
é que acabou a ditadura, mas os professores, especialmente os universitários,
continuam com medo do MEC, que pode persegui-los, negando bolsas e outros
benefícios. É preciso ter coragem e se arriscar. Fui perseguida pela CAPES e
CNPq nos tempos da ditadura, tudo me era negado, e a meus orientandos, mas
consegui, com a colaboração de colegas do Jornalismo da ECA-USP, e de Heloísa
Ferraz, a entrada do Ensino da Arte na ANPAP, quando ela foi constituída pelo
CNPq. A ANPAP iria ser só de História/Teoria da Arte e Poéticas Visuais. Ainda
mais, demos chance para se criar as áreas de Curadoria e Restauração, pois, diante
da entrada de Ensino da Arte, as pessoas contra essa entrada raciocinaram que,
se nossa área, que consideravam subárea, entrou, outras áreas
"periféricas" da História e das Poéticas deveriam entrar.
Valeu a pena ser
perseguida e pude até ser redimida quando me tornei Presidente da ANPAP. Na
minha gestão, e nas seguintes, o número de arte/educadores na ANPAP cresceu
tanto que, posteriormente, a Diretoria do Rio Grande do Sul quis retirar Ensino
de Arte da ANPAP. Foi outra luta que está mencionada no meu livro Tópicos
Utópicos.
Nos inícios de 1980,
Claudio de Moura e Castro, então Presidente da CAPES, organizou um Congresso em
Ouro Preto para fazer os convidados apoiarem sua ideia de que, para as Artes,
não era necessário Doutoramento. Nível de doutoramento seria concedido a quem
fizesse uma exposição no MASP, um concerto na sala Cecília Meireles etc.
Uma aluna minha
acabara de ter uma individual no MASP, porque o Bardi queria fazer uma
exposição da coleção de Arte do pai dela. Os convidados do Congresso eram todos
dependentes da CAPES. Eu, por exemplo, havia voltado de um Curso do British
Council, pago pela CAPES, visitando as Pós-Graduações na Inglaterra. Além
disso, havia, no encontro de Ouro Preto, figuras de brasileiros notáveis, como
a venerável Bárbara Heliodora Carneiro de Mendonça, tia do Moura e Castro,
considerada a maior especialista de teatro do país, e artistas como Regina
Silveira.
Ninguém se opôs, eu
usei minha fala só para combater a proposta, e denunciei o encontro como uma
armadilha para nos obrigar a amarrar um pacote decidido pela CAPES. Hoje
reconheço que era muito agressiva. Depois disso, fui obrigada a comer todo dia
sozinha, ninguém chegava perto da mesa em que eu estava, só a professora
Pompeia da UFMG, que estava prestes a se aposentar, e o assistente do Claudio
de Moura e Castro, ousaram fazê-lo. Esse último, por estratégia política, ou
para amansar a fera. Mas, um convidado americano, de Música, da Universidade do
Texas, considerado brasilianista, ficou tão revoltado, porque eu disse que,
eles, de fora vieram nos convencer de que o que era bom para os Estados Unidos,
era bom para o Brasil, se recusou a dar sua palestra. Desde aí não tive bolsa
da CAPES por quase 10 anos.
A luta pela
manutenção da obrigatoriedade do ensino da Arte foi de todos da FAEB. Fizemos
manifestações públicas em frente à Bienal, e usamos o “telegramaço”, enviando
mensagens para todos os senadores. Coloquei minha cabeça a prêmio na minha
própria universidade, pois ia falar com os poderosos da USP, envolvidos na
constituição da Lei de 1996. Tornei-me antipática para alguns, e acusada de
corporativista.
Outra luta em prol
do reconhecimento das Artes foi iniciada por Laís Aderne, frente ao MEC, na
época em que o SESU tinha comissões de avaliação em todos as áreas
universitárias, menos em Artes e Educação Física. Laís conseguiu, por meio do
Prof. Iveraldo Lucena, que fôssemos recebidas pelo Ministro da Educação, e ele
nos delegou a tarefa de organizar a Comissão de Artes e Design que, depois de
fazer um trabalho árduo de consulta a todos os Cursos de Artes e Design das
Universidades brasileiras, e quatro encontros nacionais desses cursos
(Brasília, Campo Grande e Salvador), apresentou a proposta de avaliação
assinada por representantes das universidades presentes nos encontros. Não foi
trabalho perdido, pois Lúcia Pimentel escreveu sua tese de doutorado
aproveitando os documentos por nós deixados no MEC. Foram jogados fora pelos
funcionários logo depois que ela os consultou.
Para defender as
artes me meti até na Universidade dos outros, que considerava minha também,
pois nela sofri uma das maiores injustiças de minha vida. Trata-se da
Universidade de Brasília, da qual fui demitida por razões políticas, em 1965,
grávida e tendo de voltar para Recife, onde a situação política era das mais
duras no país. Infelizmente, hoje estou distante da UNB. A convite de Grace
Freitas, diretora do IdA da UNB, e Susete Venturelli, fui à Brasília defender,
no Conselho Universitário, a criação do Mestrado em Artes. Era esperada com
certa dose de aversão, pois pensavam que eu iria defender a ideia de que, para
os professores do mestrado, bastava ser artista, mas, consegui dialogar muito
bem com os cientistas. Hoje 'pago o pato' por ter ajudado a UNB e sou até
difamada por um "sedizente" todo poderoso, da mesma Pós-Graduação do
IdA que ajudei a defender.
Não é para me gabar
que estou dizendo tudo isto, mas, para lembrar que pagamos por nossas
intervenções junto ao poder governamental, mas vale a pena, se conquistamos
algo para nossa área, tão frágil e desempoderada. Pago, até hoje, por ter
criticado acerbamente os Parâmetros Curriculares de Artes Visuais, contra os
quais lutei quase sozinha, contando com a companhia apenas de Maura Penna, que
liderava um grupo de João Pessoa (UFPB), que escreveu um livro com críticas
muito pertinentes. Mas, aceitei participar da consultoria sobre os PCN de 5ª a
8ª série, para livrá-los do excessivo modernismo e, com a ajuda de Ingrid
Koudela, introduzimos a CONTEXTUALIZAÇÃO, que é considerada, hoje, uma das
características da Educação e das Artes Contemporâneas, opondo-se ao
vanguardismo modernista, e à reflexão da filosofia escolástica, dois pecados
dos PCN de 1º ao 4º anos. Há poucos dia uma aluna me contou que sua professora,
no Rio de Janeiro, disse que eu fui contra os PCN porque meu nome não estava
neles. O pior é que estava lá meu nome como consultora nos PCN de 5ª a 8ª
série, isto é, 5º a 8º ano.
Os meus amigos me
criticam porque não economizo meu nome. Em qualquer luta justa eu me meto de
cabeça, e tenho pena dos que desistem, para proteger suas imagens e nomes
frente aos poderes constituídos e a História. Hoje precisamos nos posicionar,
encher a caixa de e-mail da Fundação Lemann, dos donos da AMBEV, AB INBEV,
Burger King, Lojas Americanas, Americanas.com, Submarino, Shoptime etc., que
vivem na Suíça, educam filhos e netos no primeiro mundo, que valora as Artes, e
querem para nosso povo uma educação para as artes meramente ilustrativa das
outras disciplinas, submetida as outras disciplinas.
É a Fundação Lemann
que está desenhando a BNCC, isso é, os novos Parâmetros Curriculares. Mais uma
vez nos reduzem à condição de colonizados. A ditadura entregou à Universidade
de San Diego o poder de decidir nossa educação. A redemocratização entregou
esse poder a um espanhol, Cesar Coll, que fracassara na tarefa de desenhar o
currículo nacional de seu próprio país e enriqueceu escrevendo e vendendo livros
paradidáticos medíocres, sobre todas as disciplinas, através do MEC, para os
professores de todo o país. Agora, a Fundação Lemann quer nos submeter aos
desígnios da Universidade de Stanford, melhor do que a de San Diego, que
dominou nossa educação na ditadura, mas, uma universidade de um país
hegemônico, que quer continuar hegemônico.
Por favor, não
acreditem no falso discurso da interdisciplinaridade. Já fomos enganados pela
ditadura que, em nome da interdisciplinaridade, pretendeu preparar, em dois anos,
um professor para ensinar Música, Teatro, Artes Visuais, Dança e Desenho
Geométrico, tudo ao mesmo tempo. Ninguém poderia ser Leonardo da Vinci no
século XX.