ROGÉRIO ORTEGA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA (In: http://www1.folha.uol.com.br/especial/2016/base-nacional-comum-curricular/?cmpid=menutopo)
A leitura das cerca de 30 páginas
dedicadas especificamente ao ensino de arte –artes visuais, dança, música e
teatro– entre as mais de 650 do projeto da BNCC (Base Nacional Comum Curricular),
divulgado pelo governo federal no mês de maio, talvez fosse mais fácil se os
interessados providenciassem cartelas e fizessem uma espécie de "bingo do
academês".
Verbos substantivados ("o fazer, o fruir e a reflexão sobre o
fazer e o fruir")? Estão lá. "Problematizar"? Também, tanto no infinitivo
como no gerúndio, "problematizando". "Ressignificar"? Idem.
"Experienciar a ludicidade"? Ora, como não?
Também não faltam passagens abstrusas redigidas numa língua que às
vezes lembra o português, como no trecho "as artes visuais oportunizam
os/as estudantes a experimentarem múltiplas culturas visuais".
O que falta ao texto da BNCC é uma definição mais clara dos
conteúdos a serem ensinados pelas escolas brasileiras nessas quatro disciplinas
–do 1º ao 9º ano do ensino fundamental e nas três séries do ensino médio.
No que diz respeito à música, por exemplo, uma das orientações
para os alunos do 1º ao 5º ano é "explorar elementos constitutivos da
música em práticas diversas de composição/criação, execução e apreciação
musicais, privilegiando aquelas presentes nas culturas infantis" (pág. 238
do documento).
É basicamente o mesmo que se requer dos estudantes nos anos finais
dessa fase (6º ao 9º) –substituindo o verbo "explorar" por
"identificar e manipular" e as culturas infantis pelas
infanto-juvenis (pág. 398).
TEATRO
No teatro, a diferença de propostas dentro do ensino fundamental
está mais bem definida –a BNCC pede que os estudantes dos anos iniciais
exercitem "o faz de conta e a imitação", enquanto sugere aos alunos
do 1º ao 5º ano "pesquisar, conhecer e apreciar o trabalho de grupos de
teatro, de dramaturgos, de atores e diretores locais, regionais, nacionais e
estrangeiros, do passado e do presente" (pág. 399).
Essa orientação, no entanto, é repetida ipsis litteris na parte do
documento que trata do ensino médio (pág. 547), assim como outras.
O leitor que atravessar as extensas passagens que tratam dos
fundamentos do componente "arte" e suas "seis dimensões de
conhecimento" (criação, crítica, expressão, estesia, fruição e reflexão,
igualmente repetidas nos capítulos sobre os ensinos fundamental e médio)
descobrirá, ao fim, que o texto da BNCC deixa a definição das unidades
curriculares do ensino de arte nas mãos das escolas.
"Os objetivos foram redigidos com
o intuito de permitir que os sistemas de ensino, as escolas e os professores
possam colocá-los em prática a partir de seus próprios repertórios artísticos
(...) e de seus contextos sociais, políticos e culturais. Assim caberá aos
sistemas de ensino e às escolas a composição de Unidades Curriculares de Arte
mais ajustadas aos seus projetos de formação", diz o documento (páginas
523 e 524).
ADORNO
Ou seja, em vez de definir as unidades curriculares em cada série
ou bloco de séries, o documento do governo parece mais preocupado –além de
tentar explicar, à moda da antiga coleção "Primeiros Passos", o que é
arte e qual a sua importância para a sociedade– em garantir que sejam
contratados professores com formação específica em cada uma das quatro áreas.
Ou que o ensino de arte não seja tratado como adorno ou atividade
complementar ao currículo das escolas, coisa que não apenas faz sentido como é
coerente com a orientação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e dos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
A dúvida é se a BNCC –cujo objetivo, em tese, é oferecer um mínimo
comum de aprendizado para todo o país– é o lugar certo para explicar o que
caracteriza as "dimensões de conhecimento" e estabelecer objetivos de
aprendizagem mais ou menos vagos, em vez de dizer claramente (de modo sucinto,
respeitando diferenças sociais e regionais) o que os alunos deveriam estudar em
cada etapa.
Já que problematizar é importante para a evolução do debate das
ideias, fica aqui uma sugestão.
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