31 março 2014

Conversas ao meio-dia com Valéria Alencar.

Olá. Meu nome é Valéria Alencar. Trabalho, estudo, pesquiso, respiro mediação cultural. Sou colaboradora do coletivo Arteducação Produções desde 2001. Atualmente, estou morando em Londres, serão 12 meses de experiência até agosto para complementar minha pesquisa de doutorado, claro, sobre Mediação Cultural que faço no Instituto de Artes da UNESP, com a orientação da professora Rejane Coutinho. Minha pesquisa trata da utilização das imagens em museus e exposições históricas.

Assim como o Erick Orloski escreveu aquipossuo bolsa de doutorado sanduíche pela CAPES. Meu tutor aqui em Londres é o professor Dennis Atkinson, contudo não tenho uma relação com a universidade, pois a minha pesquisa acontece nos museus. Inicialmente intencionava fazer minha pesquisa no British Museum, mas mudanças de planos aconteceram, especialmente por conta do British ser um, como denominei, um museu de coisas, sim, tem muita História lá, mas optei por outro local, o Museu de Londres. Assim minhas idas ao British Museum trazem um outro viés para minha formação acadêmica e outras reflexões para a minha pesquisa.

Cheguei em Londres com a minha filha Helena de nove anos, em agosto de 2013, uma mudança e tanto em nossas vidas. Poderia escrever e falar sobre tantas experiências e sobre a minha pesquisa por dias, mas não será esta a proposta aqui. Quando fui convidada a escrever na AEOL fiquei imaginando qual seria o assunto dentre tantos possíveis. Então, fui ao British Museum (de novo) para ver uma parte que ainda não tinha visto (o museu é muito grande, ainda bem que tem entrada franca, dá para ir sempre e ver com calma): o acervo referente à Grécia.

Como disse, o British é um museu de coisas, coisas de toda parte do mundo, ainda que a proposta curatorial das diferentes salas/acervos possa ser diferente, o discurso de “olha tudo o que conquistamos no mundo” do Império Britânico sempre salta aos meus olhos. A sala referente ao século das Luzes, época em que o museu foi criado, é ótimo exemplo disso.


 Vista da sala Enlightenment: discovering the world in the 18th century. British Museum, London.
Foto: Valéria Alencar, Mar./2014

Sempre ouvi, desde a época da faculdade de História, lá na década de 1990, o discurso da formação do acervo dos grandes museus europeus ter sida a partir de exploração e saque dos territórios conquistados, sim, eu já sabia disso. Eu mesma falava sobre isso com meus alunos de graduação, algumas vezes com discussões acaloradas sobre se estes países deveriam ou não devolver tais artefatos. Eu nunca consegui me decidir, às vezes concordando com o discurso de que assim como estava tais artefatos foram preservados, às vezes, discordando.

Porém, neste dia de mais uma ida ao BM (carinhosamente chamarei assim), minha experiência foi um mix de surpresa, indignação e emoção.

Surpresa porque aquilo que eu sabia na teoria, de que o acervo era formado a partir da exploração e saque, uau!!! (pode escrever uau num texto? mas eu não sei traduzir em palavras…) é sim, é mais do que eu imaginava saber… O que, depois da surpresa, causou indignação: “que absurdo, sobrou algum vaso na Grécia?”, “eles trouxeram o altar inteiro?”, “o que sobrou na acrópole?”, daí muita emoção poder ver aquelas imagens da cerâmica e do mármore que eu só tinha visto nos livros…



Vista da sala Greek Vases. British Museum, London.
Foto: Valéria Alencar, Mar./2014


Sim, é muito vaso, centenas? Não, milhares, expostos em diversas salas, a maioria em excelente estado de conservação, inteiros mesmo, nunca quebrados e juntados, colados. Agora, os mármores... Foram minhas maiores surpresas, indignações e emoções.



Vista da sala Nereid Monument. British Museum, London.  
Foto: Valéria Alencar, Mar./2014

São os famosos “Elgin Marble”. Lord Elgin foi o conquistador, explorador que levou Atenas para o BM no início do século XIX , existe hoje em dia uma discussão acalorada sobre o museu devolver tal acervo à Grécia, aliás, neste mesmo dia, ao retornar para casa, no jornal do metrô, por conta do lançamento do filme Monuments Men, tinha uma pequena nota a respeito do ator George Clooney ter defendido a devolução dos mármores aos gregos .

Certamente, pode-se argumentar que tudo poderia ter se perdido, a Acrópole por exemplo, foi usada pelos turcos-otomanos como local para armazenar armas e explosivos. Mas, e o que não foi eleito digno de salvaguarda? Sempre me lembro da explosão dos budas gigantes pelo Talibã em 2001, amplamente divulgado, chegou até causar comoção mundial. Mas, e tudo o que foi destruído lá na época do Elgin? Ou antes? Certamente houve uma seleção, consciente ou não, do que deveria permanecer no tempo, no museu.


Vista da sala Pathernon Gallery. British Museum, London. 
Foto: Valéria Alencar, Mar./2014

Também, podemos dizer que o fato desses objetos todos estarem no BM conta a história do imperialismo britânico, embora o discurso expositivo e nem o discurso educativo apresentem esta história.

Pra terminar esta conversa, um detalhe da Rosetta Stone, um dos objetos mais importantes do museu, segundo eles mesmos, a Monalisa do BM. A Pedra de Roseta é historicamente considerada o objeto chave na decifração dos hieróglifos egípcios. Existe a original, dentro de vitrine, sempre cercada por muitos visitantes e máquinas fotográficas, e existe uma réplica produzida no século XX, na qual é possível tocar. Ela é idêntica, inclusive trazendo uma inscrição lateral, já não tão visível na original:


Rosetta Stone. British Museum, London. 
Foto: Valéria Alencar, Mar./2014


Abraços e até o próximo mês!

Valeria Alencar

3 comentários:

Anônimo disse...

Val, a museografia do setor de vasos gregos do Metropolitan Museum de NYC é incrivelmente parecida com a do mesmo setor no British Museum.
Neto

val alencar disse...

Esse tipo de museografia, um monte de vasos em vitrines, me parece muita ostentação, olha tudo o que temos!!! sabe?
E essa é uma pequena sala, tem mais salas assim e mais vasos, ânforas, lamparinas, travessas, cerâmicas de todos os tamanhos, formas e cores, expostas as vezes de outra forma.

bj

Anônimo disse...

Muito bom seu artigo. Tão bom quanto suas aulas e cheio de emoção o que, no meu entender, dá vida às palavras. Saudade.
Eneida