23 junho 2014

Conversa ao Meio Dia com Guilherme Nakashato

Nestas últimas semanas tive uma experiência fantástica: promover encontros de formação com educadores do projeto Fábricas de Cultura de São Paulo, junto da equipe do Arteducação Produções, em especial com os amigos de longa data, Camila Lia e Erick Orloski.
A formação foi aberta com uma fala de minha ex-orientadora, a Profa. Dra. Rejane Coutinho e no último dia ela mediou uma mesa redonda juntamente com a Profa. Dra. Luiza Christov e o Prof. Dr. Mauro Bolognese, promovendo importante debate sobre ensino da arte, mediação cultural e o aprendizado pela experiência estética. O envolvimento deste trabalho junto com os educadores das Fábricas de Cultura provocaram-me reflexões sobre estes temas, ainda mais com um questionamento (dos inúmeros que surgiram durante os encontros) sobre a relevância do erro, da imprecisão e do acerto no processo educativo. Disto, decantou-se este breve ensaio.

 Desvios e ariticuns
O poeta Manoel de Barros é daqueles escritores que tem a incrível capacidade (e coragem) de nos fazer ver o mundo com olhos transformados. Com simplicidade e aguda percepção ao seu redor convida-nos a sentir a luz do sol em nosso rosto, a maciez das águas dos rios, o humor dos animaizinhos e os segredos que permanecem adormecidos no lado de baixo das pedras. Isso é aprender. E também ensinar.
  Ele nos conta sobre o que escutou de Padre Ezequiel:
  “Veja que o bugre só pega por desvios, não anda em estradas – Pois é nos desvios que se                 encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.”[1]

            Essa sabedoria vinda de culturas ancestrais era passada de geração em geração de forma muito valiosa: pela vida, com a vida e para a vida e que, infelizmente, fora esquecida pela modernidade – e, felizmente, lembrada por pessoas de sensibilidade como Paulo Freire. E Manoel de Barros. Ou então, do Padre Ezequiel, a quem Barros aponta em seu texto poético como aquele que lhe contou sobre os “desvios” e o fez enxergar que há valor neles.
            E quem sabe, não voltaríamos nossos olhares, de verdade, para o que nos ofertam Freire, Barros e Padre Ezequiel? Digo isso, pois estudamos, lemos, sabemos, entendemos, compreendemos etc., mas paradoxalmente, parece que tudo ainda não está em seu lugar. Então estudamos, lemos, sabemos, entendemos e compreendemos para o que não somos e apenas aspiramos como seríamos ou deveríamos ser. Portanto, façamos isso de verdade. Por que insistimos nas estradas? Transformamos as escolas e nossa educação em auto-estradas: multiplicamos suas pistas, perfuramos montanhas, cruzamos rios, planificamos terrenos e aumentamos vertiginosamente a velocidade de seus transeuntes. E nos esquecemos de ver a paisagem, de sentir o cheiro do ar e  de ouvir o que há em nosso redor. O pior é ficar sem as surpresas e sem os frutos maduros das veredas que se escondem de nossa vista embaçada pelos dígitos do odômetro ou pelos ponteiros do relógio.
Inspirado pelos poetas, como Jorge Luís Borges, os educadores poderiam também refletir pelas bifurcações dos caminhos que se  apresentam em nossa vida, um fantástico labirinto em que não nos perdemos, mas que nos encontramos. Vislumbrar as escolhas que fazemos, trilhar pela estrada e ou pelos desvios. Cabe, então, perguntar: se transformamos a escola em auto-estrada, onde estão os desvios? Os poetas já nos decifraram o enigma: na vida. E porque não exergamos algo tão óbvio?
Aí, respondo por mim: fui educado para andar na estrada, a qual sempre relutei sair, como se fosse me perder, ficar em perigo – aprendi o medo de sair dela. Vejo, hoje, que o arriscar pode proporcionar doces sabores de frutos maduros. Ao andar somente pela estrada restringi meu gosto a frutas de supermercado – não sei reconhecer, nem qual o sabor de um ariticum. Talvez o desvio esteja me provocando a conhecer o desconhecido, a arriscar novas surpresas e a perseverar na busca de algo que não esteja confortavelmente ao meu alcance.
Cabe ainda mais uma reflexão: como integrar a auto-estrada com os desvios? Não consigo pensar em outra alternativa além de encostar o veículo e de seguir a pé estes novos caminhos. Talvez haja outras possibilidades, mas no momento, penso que caminhar e sentir estas trilhas é a melhor forma de (re)aprendermos com o mundo.
Finalmente, informaram-me que ariticum é tal qual ou mesma coisa que fruta-do-conde, sendo esta de supermercado, então eu conheço. E aí penso na importância da experiência: poderia me contentar com esta constatação dos outros – isso também me ensina... Mas acredito que será muito mais significativo se eu buscar um ariticum em plena metrópole e constatar por mim o que seja.
            Quero saber o gosto de um ariticum maduro.




[1] BARROS, Manoel. O livro das ignorãças. 14ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p.87.
http://projetoredigir.com/2012/04/os-deslimites-da-palavra-por-manoel-de-barros/

Nenhum comentário: