25 agosto 2010

SUZANA RODRIGUES: LIÇÕES DE VIDA SOBRE ARTE E EDUCAÇÃO


Em verdade você faz seu trabalho em primeiro lugar porque gosta dele,
depois se você vai fazer escola se aquilo vai ficar,
isso depende do tempo...
Suzana Rodrigues


Suzana Rodrigues é destas pessoas que não deixam incólumes os lugares por onde passam. Tampouco aqueles que a encontram. Suzana Rodrigues é uma lição de vida.

Suzana nasceu – e viveu - como Diva. Diva Teixeira de Carvalho Alencar era seu nome. No entanto, com o passar do tempo resolveu ser Suzana.

Suzana Rodrigues atuava como atriz de teatro de bonecos em 1948, quando criou o Club Infantil de Arte no MASP, um espaço de ensino da arte para crianças, inaugurado quase junto com o museu em abril de 1948. Uma iniciativa artístico-pedagógica conduzida sob a livre-expressão.

Suzana Rodrigues e as crianças do Club Infantil do MASP
(arquivo biblioteca do Museu de Arte de São Paulo)

Seu nome e seu trabalho, tanto como atriz, quanto como “arte/educadora” ocupavam páginas de jornais e revistas como “O Diário de São Paulo” e “o Cruzeiro”. Nesses textos, sempre entusiastas, Suzana Rodrigues deixava sua defesa explícita sobre a necessidade de deixar a criança livre para se expressar.

Na mesma época que coordenava o Club Infantil de Arte, Suzana Rodrigues desenvolveu um trabalho, posteriormente chamado de “Brinquedoterapia”. Este, também realizado entre os anos finais de 1940 e início de 1950, consistia em levar para as crianças internadas em hospitais, pequenos teatros de bonecos e pinturas infantis. Materiais também eram levados para que essas crianças pudessem desenvolver suas próprias produções.

Brinquedoterapia
(acervo Suzana Rodrigues)

A “Brinquedoterapia” foi tema de um artigo do jornalista Ibiapaba Martins, intitulado “O Direito das Crianças à Creação Artística” . Neste artigo Suzana Rodrigues é mencionada como “a maior incentivadora dos Clubes Infantis de Arte em São Paulo, auxiliada pela Expansão Cultural do Departamento Municipal de Cultura”, sugerindo que o Club Infantil de Arte do MASP não foi o único criado por Suzana Rodrigues.

Em 1950 Suzana Rodrigues parte para a Europa com uma bolsa de estudos do governo francês. Junto leva uma carta endereçada a Madame Hatinguais diretora do Centre International d´Etudes Pédagogiques que a apresenta como “assistente do Museu de Arte de São Paulo” e interessada “pelas questões de pedagogia e de psicologia aplicada”, apontando como seu objetivo maior “estudar os métodos novos de ensino [...]”.

Entre visitas a instituições de ensino moderno como o Institut Coopératif de L´École Moderne - Techniques Freinet, a Académie du Jeudi ou a École des Parents et des Éducateurs, e participações em congressos como as Journées D´Études F.I.C.E. (Féderation Internationale des Communautés D´Enfants), Suzana Rodrigues proferiu palestras, uma delas para enfermeiras divulgando seus trabalhos desenvolvidos no MASP e em hospitais. Em uma de suas falas define um Club Infantil de Arte como uma propriedade das crianças, e como condição principal para sua organização, propiciar absoluta liberdade às suas crianças.

No final dos anos de 1950, já de volta ao Brasil, Suzana Rodrigues assume a edição da “Página A”. Nesta seção, dedicada às “Senhoras, Moças e Meninas” do jornal “O Diário de São Paulo”, Suzana Rodrigues escrevia sobre arte, educação, cultura popular, moda e comportamento da “mulher moderna”, incentivando a emancipação feminina, convocando as suas leitoras a responderem, por exemplo, a um questionário incluindo temas como a participação das “mulheres na vida política”, ou o divórcio como “solução para conflitos conjugais”.

Levou seu trabalho também para o interior paulista, como Catanduva e Campinas, ministrando cursos sobre arte e educação para professores. Também para professores foi endereçada uma palestra no dia 23 de julho de 1957, promovida pelo S.I.A.E., Serviço de Instituições Auxiliares da Escola, e pelo Serviço de Expansão Cultural, sob o tema “Teatro Escolar”.

Durante a década de 1960, Suzana Rodrigues mudou-se para um sítio no interior de São Paulo e lá, junto com Sebastiana Teixeira de Carvalho, sua mãe e grande influência para sua dedicação à arte e educação, realizou o “Brasil de Pedro a Pedro”. Este trabalho é composto por cerca de 100 marionetes articuladas mecanicamente e dispostas em pequenos palcos cenográficos, caracterizando eventos que ocorreram, entre a “descoberta” do Brasil até sua “independência”.

Página A
(Arquivo Estado de São Paulo)

Capa do folder na exposição “Brasil de Pedro a Pedro”
(acervo Suzana Rodrigues)
O “Brasil de Pedro a Pedro” foi exposto pela primeira vez no MASP em 1972. Em 2000, voltou a ser exposto, então no Espaço Cultural da Marinha no Rio de Janeiro. Até o ano de 2004 este trabalho estava embalado em caixotes no Ministério da Cultura. Em 1975 Suzana escolheu mudar-se para Nova Viçosa no interior da Bahia, para onde levou sua dedicação aos trabalhos de arte e educação, orientando, por exemplo, uma montagem teatral de alguns jovens moradores da cidade.

Aos 77 anos, no ano de 1996, Suzana Rodrigues se candidatou pelo Partido dos Trabalhadores à prefeitura de Nova Viçosa. Essa candidatura enunciava o envolvimento e a atuação de Suzana Rodrigues com aquela região e seus moradores, demonstrados, ao longo do tempo, por iniciativas como a denúncia de tortura sofrida por três menores moradores da cidade, o que rendeu à Suzana Rodrigues, ameaças de morte. Este acontecimento serviu, pelas palavras do jornalista Mauro Ventura, como “subsídio para o levantamento feito pela Anistia Internacional sobre torturas e execuções de menores no Brasil”.

Assim é Suzana Rodrigues. Seu legado, a confiança na potencialidade transformadora da arte e da educação. O importante para Suzana Rodrigues era que aquele que estivesse envolvido com ensino soubesse “tudo que há de novo fora dos parâmetros chatos, desculpe o termo, para cobrir a escola de alegria, de prazer e de perspectivas para o futuro”.

Essa confiança no poder da arte e da educação foi vivificada por um amor declarado ao seu país. Suzana defendia que “amando seu país você também colabora para que o ser humano melhore. Só que o amor à pátria não é a patriotada. Eu gosto do meu país, eu estimo o meu país, porque no concerto das nações ele tem uma expressão muito importante, isso é o que a gente tem que guardar no coração. E eu vou falar uma verdade: eu fui uma brasileira que amei minha pátria”.

Muitas foram as lições ouvidas, lidas e experimentadas em grata convivência com Suzana Rodrigues, um privilégio criado pelo acaso, favorável acaso. De todas elas, uma em especial:

“Às vezes a pessoa tem sonhos e deixa de lado, não pode deixar.
A pessoa tem que lutar por eles, não deixar os sonhos morrerem não,
fazer com que eles sejam verdadeiros no traçado de sua vida,
não ficarem só na base do sonho, pois sonho é sonho
e sonho que vira realidade já é outra coisa.
Deixar que os sonhos se realizem e lutar por isso,
não sei se serve isso para você,
mas precisa ser assim, porque sonhar todo mundo sonha,
coisas bonitas todo mundo sonha, mas realizá-las,
custa tanto sacrifício às vezes, tantas dificuldades, tantos percalços [...].”
Suzana Rodrigues

Muito prazer, muito obrigada!

P.S.: Tive o privilégio de conhecer Suzana Rodrigues e ouvir suas narrativas. Essas foram recontadas em uma dissertação de mestrado, orientada por Ana Mae Barbosa, intitulada “Das Lembranças de Suzana Rodrigues, tópicos modernos de arte e educação”, publicada em 2007 sob o mesmo título pela Editora da Universidade Federal do Espírito Santo.


Profa. Dra. Rita Luciana Berti Bredariolli
Professora do Instituto de Artes da UNESP em São Paulo
Especial para ARTEDUCAÇÃO ONLINE
http://www.arteducacaoproducoes.com.br/
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4 comentários:

Edna Onodera disse...

que matéria ótima, parabéns.
fiquei com vontade de saber mais.
abs, Edna

ARTEDUCAÇÃO ONLINE disse...

Edna, o livro de Rita sobre Suzana é magnífico.

monica miranda disse...

Sou aluna do curso de formação de professores da Belas Artes e participei do 7° Forum, foi com grande prazer que pude ler com mais cautela o que as vezes não se dá para compreender da vida de uma pessoa em tão pouco tempo. Belíssimo trabalho.
Fiquei feliz em localizar na internet.
abraço

ARTEDUCAÇÃO ONLINE disse...

Oi Monica, tudo bom?
De fato Rita é grande pesquisadora e profunda conhecedora da trajetória de Suzana Rodrigues.

Obrigado pelo comentário.
José Minerini
editor AEOL