No sábado, 11
de novembro de 2012, o antigo Seminário Episcopal de São Paulo sofreu o maior e
mais devastador dentre os vários incêndios que já o atingiram.
A quem
interessar e tiver paciência, meu depoimento abaixo conta algumas preliminares
deste desastre.
Entre 1998 e
2000 conheci este edifício, trabalhando na restauração da contígua Igreja
de São Cristóvão, que primitivamente fora a capela do Seminário concluído
em 1856 com grande orgulho da pequena cidade, e hoje é um dos raros da sua
época e tipo remanescentes em São Paulo. O antigo Seminário já estava
internamente isolado da igreja, sub-dividido e alugado a lojas que ocupavam as
alas defronte à via pública; confecções de vestidos de noivas ocupavam a
grande ala interna e o pavimento superior. Estes estabelecimentos se ampliavam
descontroladamente pelo antigo pátio, invadindo-o com "puxados" e
improvisando instalações elétricas que por várias vezes haviam originado
incêndios, alguns mais graves, outr os menos.
Em 2000
colaborei com o saudoso arqto. Paulo Bastos numa proposta de restauro do
edifício, que compatibilizava o resgate da estabilidade física e das
características arquitetônicas primitivas com o uso que ele já tinha - e
que está incorporado à tradição do bairro - dotando-o de condições de segurança
e conforto modernos. A proposta foi recusada pelos responsáveis pela
administração do antigo seminário, por motivos que não cheguei a conhecer.
Entre 2000 e
2008 sugeri e auxiliei a direção do Museu de Arte Sacra de São Paulo numa
proposta de restauro completo e adaptação do pavimento superior para acomodar
algumas instalações suas, deixando o térreo para as lojas e confecções.
Tampouco esta proposta foi adiante, novamente por motivos que desconheço.
Em 2008,
participando na formação do Curso de Graduação em Conservação e Restauro da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mais uma vez propus uma
parceria com a entidade proprietária do antigo seminário, retomando a proposta
básica de restauro de Paulo Bastos, mas instalando ateliês e salas de aula no
pavimento superior, deixando as lojas e confecções no térreo, e enfim provendo
o restauro arquitetônico. Desta vez, os arquitetos da PUC fizeram vários
levantamentos, constatando goteiras, as eternas instalações elétricas
improvisadas e a intensa reinfestação da igreja pelos cupins; Paulo Bastos
chegou a preparar um anteprojeto, a PUC conseguiu um grande galpão próximo para
acomodar as confecções, e a reitora até anunciou oficialmente a abertura do
curso com um coquetel no prédio. Pouco mais tarde, um lacônico telefonema da
igreja me informou que estava tudo cancelado por ordem superior.
Como milhões de
outros paulistanos, continuei a passar diante do prédio, sem ver as ampliações
ilegais e instalações perigosas por trás da fachada que apenas decaía. Só me
diferenciava o fato de saber do risco e preocupar-me com isso, sem nada poder
fazer.
Ontem, enfim a
televisão mostrou ao vivo o incêndio de grandes proporções que, sem ter bola de
cristal, eu e outros tantas vezes anunciamos. Perdemos mais um patrimônio,
nesta cidade tão carente deles.
No domingo, o
"Estadão" noticiou que uma primeira fase de restauro estava em
conclusão. Infelizmente chegou tarde demais, resta-me juntar minha
solidariedade aos colegas que ali trabalhavam.
Aos 35 anos de
exercício da profissão de conservador-restaurador, canso-me e quase desanimo ao
ver repetirem-se estas histórias, e reincidirem as mesmas situações de risco.
Apenas como exemplo, e numa provavelmente inútil tentativa de aviso, recordo ao
menos outras duas edificações religiosas tombadas e restauradas no centro de
São Paulo, em que até agora a história tem-se repetido de forma
semelhante: a igreja de Santo Antônio (que já sofreu
dois grandes incêndios), em que, contra todas as nossas
recomendações, instalações elétricas improvisadas foram teimosamente
refeitas logo de pois que terminamos o restauro dos altares e forro; e
a igreja da Ordem Terceira do Carmo, em que nem a ampla intervenção de
restauro de centenas de metros quadrados de pinturas sacras, integralmente paga
pelo IPHAN, pareceu suficiente para ajudar os responsáveis pela igreja a enfim
fazerem algo de efetivo pelas goteiras e instalações precárias do edifício.
Sem mais
comentários,
Julio
Moraes
Conservador-restaurador
de bens culturais
http://www.arteducacaoproducoes.com.br/
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