04 maio 2015

UMA EXPERIÊNCIA DE SERMOS LEVADOS À EXPERIÊNCIA

Fernanda Pereira da Cunha, Ana Basaglia, Paula Ariane Moraes e Ana Mae Barbosa

A consciência da experiência é condição básica para termos o que John Dewey chamou de uma experiência consumatória, aquela que é matriz de outras experiências. Dupla conscientização e percepção simultânea foi nossa experiência visitando no dia 23 de abril de 2015 a exposição Terra Comunal, de Marina Abramovic, no SESC Pompeia em São Paulo.

Vista da exposição Terra Comunal no SESC Pompeia
Fotografia: Romullo Baratto
Disponível em http://www.archdaily.com.br/br/763613/gustavo-cedroni-fala-sobre-o-projeto-expografico-de-terra-comunal-de-marina-abramovic/55005bb3e58ece81290000cc

O prazer da experiência ubíqua foi o que experimentamos ao sermos provocadas pelas obras de Marina Abramovic e desafiadas ao mesmo tempo pela visita especialmente preparada para nós por duas artistas/educadoras excelentes, Rosi Ludwig e Juliana Salles.

Estarmos alertas e conscientes para as obras e ao mesmo tempo para a maneira pela qual estávamos sendo estimuladas pelas educadoras demandou de nós abrir, escancarar “AS PORTAS DA PERCEPÇÃO”.

Rosi sabia que nosso pequeno grupo estava interessado nas relações da Arte e da Performance com o Design. Nos recebeu comentando informalmente sobre a arquitetura que nos abrigava, uma obra de Lina Bo Bardi. Rosi e Juliana nos conduziram para uma mesa redonda com cadeiras em volta onde sentamos, móveis desenhados por Lina. Era a primeira vez que elas, naquela exposição, dialogavam tendo como foco o design. Nos apresentaram cartões com frases escritas. Os cartões serviram de epígrafes em nossa conversa. Cada uma escolheu um cartão aleatoriamente. O meu, Ana Mae, dizia o seguinte: “toda obra de arte é um diálogo. Entre o trabalho e o observador. E aqui é necessário dar um passo além, o espectador deve não só observar os trabalhos, como um ‘voyeur’, mas se transformar num ‘experimentador’, interagir com os objetos, tomar parte ativa na exposição...”

Leitura de cartões com frases na mesa redonda desenhada por Lina Bo Bardi
Fotografia: Juliana Salles

Leitura de cartões com frases na mesa redonda desenhada por Lina Bo Bardi
Fotografia: Juliana Salles

Leitura  de cartões com frases na mesa redonda desenhada por Lina Bo Bardi
Fotografia: Juliana Salles

Eu discordei da premissa inicial, dizendo que modificaria a frase para “toda a obra é um diálogo entre o trabalho, o observador e o local, entendido não apenas como espaço geográfico”. Entretanto, começamos a dialogar sobre a relação do espaço físico e a exposição da Marina, até que para a nossa surpresa a Rosi nos disse que a frase não era da Marina, mas da própria Lina Bo Bardi. As educadoras introduziram um fator imprevisível, pois todas julgávamos ser da própria Marina a frase. Imprevisibilidade vem sendo considerado um fator muito importante para a relação das pessoas com a arte. Não se trata mais de falar de estranhamento como no Modernismo, mas de reconhecer que eventos inesperados, informações inesperadas a(s)cendem a nossa percepção. 

Desta conversa inicial ao redor da mesa redonda da Lina partimos para ver e discutir um dos vídeos da década de 70, a performance em torno de uma mesa redonda de ouro onde estão sentados em cruz Marina, seu então companheiro Ulay, um monge tibetano e um aborígene. A relação entre a mesa redonda da Lina e nossos corpos sentados em círculo se estabeleceu de maneira orgânica com a imagem da performance. Além disso, a frase que acabávamos de ler estabelecia uma relação intelectual dos nossos sentidos com a enunciação performática.

Discussão de vídeo com performance em torno de uma mesa redonda de ouro
Fotografia: Juliana Salles

Discussão de vídeo com performance em torno de uma mesa redonda de ouro
Fotografia: Juliana Salles

Discussão de vídeo com performance em torno de uma mesa redonda de ouro
Fotografia: Juliana Salles

Após termos percorrido as instalações das performances, nos sentamos para uma conversa, quando Fernanda lê o seu cartão: “Eu me enquadrei num instrumento daquilo que ela imaginava, porque ela não é uma arquiteta, não é uma técnica, então eu de alguma maneira desenvolvi um canal de comunicação com ela que a gente foi eliminando algumas etapas, então, hoje a gente senta para ver alguma coisa... ela ia fazer dois móveis novos para a Galeria que acabou ficando um pouco mais pra frente, nosso encontro durou duas horas, mas realmente o que ela estava pensando para o desenho que eu fiz ali na hora resolvemos em quinze minutos porque já existia um histórico obviamente que é dela que eu estudei e depois com a convivência fui aprendendo onde eu possa ser mais criativo onde ela prefere essa funcionalidade, onde ela quer que isso não exista. Mas existe o espaço para a criação, eu me senti criador dentro desses parâmetros que são o trabalho dela”. 

A quem se referem os pronomes “eu” e “ela”, foi nossa primeira indagação.

Rosi nos contou que este texto era parte da entrevista que ela havia feito com o cenógrafo Willian Zarella Filho, que produziu todos os objetos da exposição. Ela fez esta entrevista para planejar a nossa visita. Ficamos impressionadas com o profissionalismo generoso desta educadora. Entretanto, todas as mediações deveriam ser programadas com este cuidado: o que estou mediando? Onde estou mediando? Para quem estou mediando? Disso sabe muito bem Sidney Peterson, a quem agradecemos por ter mediado este encontro, encomendando especialmente uma visita para designers. Lina Bo Bardi e Marina Abramovic vão ficar sempre ligadas entre si na nossa mente.

Conversamos sobre as relações dos objetos da exposição, com as cadeiras da Lina e com a influência pervasiva do design construtivista presente na obra de Marina. Influência esta que se revela inclusive na tipografia utilizada no título da exposição e em sua admiração por Alexander Rodchenko, um artista que construiu uma trama inventiva entre sua arte e os processos de iniciação, a arte que liderou na Vuthemas, Escola de Arte Russa contemporânea e rival da Bauhaus.

Tipografia usada no título da exposição "Terra Comunal"
Fotografia: Paula Ariane Moraes

O trabalho de Maria Abramovic está vinculado ao que chamamos hoje de fenômeno de education turn dos artistas, isto é, artistas cujas obras são por si mesmas educacionais ou transformam seu trabalho educacional em obra, criando trama e narrativa entre obra e função social, como já faziam Rodchenko e Joseph Beuys.

Nesse momento, o cartão lido por Ana Basaglia pareceu contribuir e convergir, dada sua conexão com as reflexões do grupo: “As escadas sempre fascinaram o homem… eu sempre fui… fascinada pelas ideias de uma escada. Nunca tomei uma escada como um elemento prático, para subir de um nível a outro…”. A frase é de Lina Bo Bardi. Como Lina, e também como Marina, nós não estamos falando de elementos práticos ou simples relações pontuais; falamos de conexão, de troca, de generosidade, de espaços preenchidos com autonomia, de vazios/cheios, de narrativas.

Ana Mae Barbosa em um objeto de Marina Abramovic
Fotografia: Paula Ariane Moraes

Ana Mae em outro objeto de Marina Abramovic
Fotografia: Paula Ariane Moraes

Marina inter-relaciona o que ela chama de método e suas obras com as obras de artistas mais jovens do que ela, mas que têm a mesma obsessão pela performance de longa duração. No “Espaço Entre” vários artistas performáticos se apresentam. 

Ao visitar este espaço, aconteceu um fato curioso com minha neta e uma amiga dela, a Mavi. Frente ao performer com barba comprida, Mavi se dirigiu a ele perguntando se poderia cortar um pedaço de sua barba. Era Maurício Ianes, que respondeu afirmativamente. Assim ela cortou dois dedos de sua barba. Em seguida ele perguntou: “E eu posso cortar um pedaço do seu cabelo?”. Ela respondeu que sim. Ele cortou uns cinco dedos do cabelo dela de um lado, o que a obrigou a correr para o cabelereiro para cortar o resto. Isto contaminou minha neta, que também pediu ao cabelereiro para cortar seu cabelo que teimava em manter longo. Tenho que agradecer ao performer, pois ela se negava terminantemente a cortar o cabelo. Elas se incorporaram à ação performática.

Nossa conversa continuou através de e-mail. Mandei este texto que redigi com a ajuda de Fernanda para Ana, Paula, Sidney e as artistas/educadoras, como Paulo Portela costuma chamar há muito tempo e como os estimuladores/provocadores da exposição de Marina Abramovic escolheram ser chamados.

Rosi, numa atitude dialogal que me fez admirá-la mais ainda, mandou me dizer que se enganara pois o texto que li era da própria Marina. Numa mediação provocante nada se perde, tudo excita a reflexão. Não há certo e errado, há o pensar além dos limites da experiência. Eu não teria pensado na Pedagogia do Acontecimento se não fosse o provocador engano de Rosi.
Provocar a experiência da Arte é lidar com o visível e o invisível e o imprevisível.


Fotografia: Juliana Salles

Fotografia: Juliana Salles

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AEP Online informa: Esta é a última semana dessa exposição no SESC Pompeia. Não foi ainda? Corra lá e tenha a sua experiência!

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